"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

domingo, 7 de novembro de 2010

SOBRE UM PERCURSO ÍNTIMO


Depois que trocou o velocípede pela bicicleta, aos cinco anos, o economista Josael Jário Santos Lima não se deixou levar por nenhum outro meio de transporte. “Até dirigi carro uma vez, mas não gostei muito”. Isso foi em Aracaju, cidade natal, e lá também foi se descobrindo diferente dos amigos. Era mais ligado à natureza, tinha outro ritmo, outras preocupações. “Lá era mais fácil, a cidade é menor, dava pra fazer tudo de bicicleta”. Quem ouve a assertiva fica a esperar um “mas aqui...”. Que não vem: Josael continua fazendo tudo sobre duas rodas, mesmo que de início, novo na cidade, preferisse o ônibus.

Quando tem aulas na Universidade Federal do Ceará, onde é professor na Faculdade de Economia, às segundas e quartas, ele sai do Porangabussu cedo e procura as vias menos movimentadas. “Evito as paisagens feias, escolho as mais bonitas, onde a natureza não está tão poluída”. Quando vai direto pra Câmara dos Vereadores – ele também trabalha no gabinete do vereador João Alfredo (Psol) – pega uma dessas secundárias rumo à Borges de Melo. Dela não há como fugir. Segue pelo Lagamar até a Thompson Bulcão. Quando é preciso pegar a BR, para alcançar bairros diversos, as adversidades são maiores.
Os rostos se repetem em dias, e um deles é mais aberto para um papo – mas nem sempre. Outros desfilam pelos dias do ambientalista, como as mães que pegam suas crianças na escola. O pão quentinho, de hora marcada, é uma das paradas, e um determinado percurso se estende só para entrar na paisagem a Lagoa do Porangabussu – onde a entrevista se deu, numa tarde em que Fortaleza se preparava para ver o Ceará contra o Flamengo: grupos se deslocavam rumo ao estádio, enquanto um senhorzinho fazia sua caminhada com a camisa do time local. Josael parecia alheio a tudo aquilo: enquanto houver bicicletas por aí e poluição acintosa, falta de qualidade de vida para as cidades, ele está disposto a uma conversa.
Tanto que o faz em diferentes bairros: Joaquim Távora, Mundubim, Parquelândia, Pici, José Walter, Bom Jardim. Já foi até a comunidade dos Índios Tapeba, no caminho de Caucaia. Seja nas palestras para grupos espíritas, doutrina da qual compartilha as ideias, ou no movimento Mobilidade Humana, ou em projetos da faculdade. Já se sentiu ameaçado, e viu nos olhos do outro uma tentativa de assalto. “Mas falei com ele”, e continua com a voz mansa de toda a conversa: “Vai me levar essa bicicleta já tão velha...?”, dissuadindo o possível assaltante. Já foi vítima de preconceito, e nem liga se fecham as janelas do carro quando ele para ao lado.
“Por ser negro, sofro preconceito. Com a bicicleta, caio ainda na marginalidade e na pobreza”. O que “ajuda”, ou ameniza os pétreos olhares, é quando ele coloca capacete e outros artefatos de proteção: isso denota um ciclista mais consciente de direitos e deveres. Pena que o equipamento foi roubado recentemente. Josael, contudo, continua insistente. “O trânsito não pesa, as pessoas ficam mais perto para uma conversa, uma troca. Andando de bicicleta não tem vida repetitiva, paisagem monótona. E a cidade está mais perto. Se tem mais intimidade com ela”. (Júlia Lopes)

QUEM É JOSAEL JÁRIO SANTOS LIMA, 46, ECONOMISTA E AMBIENTALISTA

ONDE VIVE PORANGABUSSU

POR ONDE ANDA CENTRO, JOAQUIM TÁVORA, MUNDUBIM, PARQUELÂNDIA, PICI, JOSÉ WALTER, BOM ARDIM, LUCIANO CAVALCANTE E BENFICA, INDO ATÉ CAUCAIA, VISITAR OS ÍNDIOS TAPEBAS
Fonte: JORNAL O POVO, 7/11/2010

2 comentários:

  1. Muito bom! Continue firme na bicicleta, o veiculo do futuro. Mas tenha cuidado com o transito.

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    1. Perfeito, amigo Josael Bruno. Utilizar a bicicleta como meio de transporte é uma opção que - por conta da "cultura do carro", predominante em nosso país - ainda requer bastante cuidado. Não obstante, esse mesmo veículo tende, sim, a ser o veículo do futuro, sobretudo quando se analisa o trânsito na perspectiva da sustentabilidade. Obrigado pela visita ao nosso blog e volte sempre!

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