"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

sábado, 5 de outubro de 2019

ADULTERAÇÃO DE PLACA DE SEMIRREBOQUE NÃO CONSTITUI CRIME, DECIDE STJ


A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou ação penal contra dois homens que foram presos e denunciados sob a acusação de adulterar a placa de um veículo semirreboque frigorífico. Seguindo o voto da relatora, ministra Laurita Vaz, o colegiado entendeu que o artigo 311 do Código Penal — que trata da adulteração de identificação de veículo automotor — não se aplica a semirreboques.

Semirreboque é um equipamento de transporte rodoviário de cargas sem tração própria, puxado por um caminhão-trator, no qual apoia sua parte dianteira.

Segundo a denúncia, os réus seriam donos de uma fábrica de placas. Eles teriam confeccionado uma placa nova para o semirreboque furtado das dependências de um frigorífico em Uberlândia (MG), o qual foi levado até outro galpão da cidade, onde seria guardado para revenda clandestina.

Os dois tiveram a prisão preventiva decretada em 15 de dezembro de 2017 e foram denunciados pela prática do crime tipificado no artigo 311, caput, na forma do artigo 29, caput, do Código Penal.

O recurso em habeas corpus no STJ foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que indeferiu o pedido de liberdade, ao entendimento de que a gravidade do crime autoriza a custódia cautelar, a fim de evitar a repetição de atos ilícitos e garantir a ordem pública.

Ao STJ, a defesa alegou atipicidade da conduta imputada aos réus, uma vez que a lei prevê o enquadramento penal apenas quando tenha sido adulterado qualquer um dos sinais identificadores de um veículo automotor e, no caso em análise, a adulteração foi feita em um semirreboque, que não se enquadraria na descrição do tipo penal.

A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, explicou que o texto do artigo 311, caput, apenas dispõe sobre a adulteração de sinal identificador de veículo automotor. A pena prevista é de três a seis anos, além de multa, a quem "adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento".

"Desse modo, constata-se que a conduta imputada aos recorrentes — adulteração de placa de semirreboque — é formalmente atípica, pois não se amolda à previsão do artigo 311, caput, do Código Penal, de modo que, em atenção ao princípio da legalidade, é de rigor o trancamento da ação penal quanto ao delito em análise", decidiu a relatora.

Em seu voto, a ministra informou que os acusados foram soltos em 15 de maio de 2018 e, por isso, considerou prejudicado o pedido de liberdade feito no recurso.

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

(RHC 98.058)

PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE: SEM PROVA DE INDIFERENÇA A RISCO, MOTORISTA RESPONDE POR HOMICÍDIO CULPOSO


Para que condutor de veículo que causou acidente com morte responda por homicídio doloso (artigo 121 do Código Penal), é preciso demonstrar que ele assumiu o risco de matar alguém com sua conduta. Sem isso, ele deve responder pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para suspender ação penal que um homem responde por homicídio doloso no Tribunal do Júri em São Bernardo do Campo (SP).

Ao empinar a motocicleta que dirigia em alta velocidade, o homem atropelou e matou uma mulher. A Vara do Júri e Execuções de São Bernardo o pronunciou por homicídio doloso.

A defesa dele, comandada por Paula Lima Hyppolito Oliveira, sócia do Mattos Engelberg Advogados, interpôs recurso em sentido estrito buscando a desclassificação do crime para homicídio culposo na direção de veículo.

Como recurso foi negado, ela impetrou Habeas Corpus —primeiro ao Superior Tribunal de Justiça e, após a negativa desta corte, ao STF.

Em decisão de 24 de setembro, Marco Aurélio afirmou que o princípio da especificidade e os pressupostos do dolo eventual não permitem converter infração penal de trânsito em crime doloso contra a vida.

O ministro ressaltou que só é possível afirmar que alguém agiu com dolo eventual se ficar demonstrada indiferença dele quanto à provável consequência.

“É cômodo ao Estado-juiz eximir-se de enfrentar o tema, sob a óptica de não usurpar a competência constitucional do júri. A matéria mostra-se exclusivamente jurídica, e não fática, cumprindo ao Poder Judiciário a palavra final, e não aos jurados, leigos em Direito, sujeitos a inseguranças e incertezas, dando margem a discrepâncias judiciais, isto é, que situações rigorosamente idênticas sejam tratadas diferentemente, em detrimento da isonomia. Não por outra razão o procedimento é bifásico, reservada a primeira etapa ao controle técnico da imputação”, apontou Marco Aurélio.

O ministro ainda lembrou que o Código de Trânsito Brasileiro estabeleceu que, nos crimes de trânsito, a embriaguez e o excesso de velocidade são, em regra, elementos indicativos de culpa, não dolo.

Presunção de inocência
A advogada Paula Lima Hyppolito Oliveira afirma que tem sido comum os juízes enviarem casos semelhantes para o júri, com base na premissa in dubio pro societate, quando o que deveria basear a decisão é o in dubio pro reo.

“No tribunal do júri é muito comum os juízes utilizarem o brocardo in dubio pro societate, que não encontra guarida na Constituição ante o princípio da não culpabilidade. Por outro lado, a não observância do in dubio pro reo leva a situações como a presente, em que a matéria de fundo —ocorrência de dolo eventual ou culpa consciente—, de dificílima solução até para os operadores do Direito, seja levada aos jurados leigos. O magistrado não pode lavar as mãos e adotar a posição mais cômoda de determinar a análise dos fatos pelo júri, cabe a ele dirimir a questão, e, na dúvida, desclassificar a conduta ou impronunciar o réu”, destacou Paula.

(HC 174.930)