"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

JORNAL O POVO FLAGRA FRAUDE NO DETRAN-CE

A oferta de fraudar o serviço público agora bate descaradamente à porta. A promessa é de, mediante um pagamento por fora, no valor de R$ 800, o grupo conseguir resolver problemas de documentações e infrações cometidas. No caso, a oferta feita a um empresário local envolve um esquema dentro do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) do Ceará. Ele teria que dar dinheiro para "zerarem" 24 pontos de sua carteira de motorista. Com uma câmera escondida, O POVO filmou o golpe.

A fraude tem o formato delivery. O “cliente” do esquema é atendido por telefone, em casa ou no trabalho. É o grupo que vai atrás dos motoristas com a informação da pontuação excedida na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Pelas regras do Código de Trânsito Brasileiro, quem tem 21 pontos precisa dar esclarecimentos ao Detran antes de renovar o documento. É nesse momento que o esquema se apresenta.

A partir do sistema de monitoramento de dados do Detran, um funcionário “atalha” a informação sobre o guiador que está com os pontos a mais. Em vez de lançar a informação aos computadores do órgão, ele freia a mensagem e aciona uma intermediária. É a pessoa que vai ao motorista oferecer os “serviços”.

A propina não é pedida logo no início da conversa. No caso do empresário que testemunhou o flagrante, ele foi primeiro procurado na porta da empresa pela mulher. Era cedo da manhã de 22 de janeiro último. Como não estava ainda no trabalho, o empresário foi acionado pela secretária e decidiu falar com ela ao telefone. A mulher apresentou-se como Diana, indicada por P., um funcionário terceirizado do posto do Detran na Aldeota. Ela disse que já estava ali para “providenciar a defesa” dele.

Diana combinou de falar pessoalmente com o empresário no dia seguinte. E já se encontrariam na sede do Detran na Maraponga. Ela já estava no local, perguntando se o empresário havia chegado (ligou várias vezes, “o senhor já chegou?”), quando orientou que ele procurasse um terceiro personagem do esquema: “Procure o N. no guichê 12”.

O empresário disse ter desconfiado da situação, mas deu entrada no trâmite para reaver legalmente a carteira. “Cheguei a perguntar se eu estava fazendo alguma coisa irregular, diziam que era tudo normal”, conta. E seguiu os procedimentos orientados por N. Diana chegou a ligar para o empresário “três ou quatro vezes”, perguntando se estava tudo bem.

Numa das ligações dela, enquanto N. o atendia, o empresário ouviu de Diana a deixa: “Não dê nada a ele aí que tem câmera”. “Só no final disseram que tinha um valor. Quando agradeci ao N., ele disse: ‘A Diana quer falar com você, está esperando lá fora’”. Debaixo das mangueiras do lado de fora do posto do Detran, Diana avisou ao empresário que o serviço custaria R$ 800. Na gravação, ela detalha: “Vou dar R$ 100 pro P., vou ficar com R$ 200 e vou dar R$ 500 ao N.”.

Crimes

Pelo menos três crimes estariam configurados, a partir da gravação (feita dia 24/1) e na história testemunhada pelo empresário: quebra de sigilo funcional/quebra de sigilo de dados pessoais, crime contra a administração pública e corrupção passiva. O POVO repassou cópias da gravação e a transcrição dos diálogos entre Diana e o empresário para a diretoria do Detran e ao Ministério Público Estadual . O órgão de trânsito abriu sindicância administrativa para apurar o caso. E o MPE, de antemão, ainda sem a oficialização do caso, vislumbrou ao O POVO a possibilidade dos três crimes, pelo menos.

P., o primeiro citado no golpe, é funcionário terceirizado de uma prestadora de serviços. Estava lotado até ontem na unidade de atendimento da Aldeota. É o que primeiro dispara a informação que interessa ao esquema, pelo que foi descrito na gravação feita com Diana. N. é servidor do Detran e até ontem trabalhava provisoriamente para o setor de habilitação da sede do órgão, no bairro Maraponga. É lotado em outra unidade, que está em reforma, por isso foi deslocado. O POVO opta por não informar os nomes completos dos dois funcionários porque ainda serão investigados internamente e não há indiciamento em inquérito policial.

Diana Meire Martins Lima de Oliveira, 67, que atua como despachante não credenciada, é jornalista, formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). No Facebook, apresenta-se como empregada da Federação Nacional dos Jornalistas. Procurada, a Fenaj informou que não filia associados diretamente. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará confirma que Diana é filiada desde 1996, mas que não mantém vínculo desde então. Na gravação, Diana diz o que faz: “Eu sou jornalista, não trabalho no Detran. Eu faço serviços diversos com os conhecimentos que tenho”.

ENTENDA A NOTÍCIA

O Detran abriu processo administrativo para investigar o suposto esquema de retirada de pontos das carteiras de motoristas. Por meio das senhas, será possível rastrear as movimentações feitas pelos servidores

Créditos para Jornal O POVO.