ALVO?
Saiu hoje na Folha que o pedestre tem em média 15 segundos para atravessar uma avenida. Está muito claro que as ruas são dos carros. Pedestres podem usá-las comedidamente, mas apenas se prometerem não atrapalhar.
15 segundos para atravessar significa que, ainda que você esteja muito atento e coloque o pé na rua no mesmo segundo em que o sinal abrir, terá que andar a 1,2 m/s para chegar do outro lado antes que o sinal abra – 50% mais rápido que a dita “velocidade de caminhada” (que é 0,8 m/s). Ou seja, há que correr. O pessoal da Companhia de Engenharia de Tráfego diz que é “mais que suficiente”. Verdade. Dá tempo. Desde que o sujeito esteja atento. Desde que ele se mova rápido. Desde que o motorista respeite o sinal. O que nem sempre acontece.
Em 2009, o trânsito de São Paulo matou 1.382 pessoas. Só 222 eram motoristas. 671 eram pedestres. A maioria deles morreu em cima da faixa de pedestres. 30% das vítimas eram idosos, cuja velocidade é menor. Morre mais gente no trânsito do que por homicídio na cidade. Homicídios tendem a se concentrar na população de jovens adultos homens. Já as mortes no trânsito costumam privilegiar os mais fracos: idosos e crianças entre eles.
A gente está cansado de ouvir essas estatísticas. Cansado de ouvir comparações estapafúrdias. Que o trânsito de São Paulo mata mais em 4 meses do que toda a Guerra do Golfo matou nas forças ocidentais. Que mata mais do que o conflito da Palestina. Mata mais do que malária e dengue somados matam no Brasil inteiro.
Levando-se tudo isso em conta, não é curioso que a gente continue achando que o problema do trânsito é apenas sua lentidão? Os jornais diários e as revistas (incluindo a Vejinha) sempre fazem matérias sobre os buracos no asfalto, mas raramente comentam os buracos nas calçadas. Os projetos da prefeitura visam a aumentar o fluxo de carros. Só.
A prefeitura de São Paulo acabou de anunciar que, a partir de 2012, vai acabar com as vagas de estacionamento no meio fio. Motoristas vão ter que parar em estacionamentos fechados. Para quê? Para aumentar o fluxo de carros.
Ok, é óbvio que os carros precisam andar. Mas será que o foco não deveria ser diminuir a quantidade de carros? E se o prefeitura pegasse um quinto do espaço liberado no meio fio e criasse ciclovias? Isso faria as ruas infinitamente mais seguras para ciclistas. Certamente haveria uma explosão das bicicletas na cidade e o número de carros diminuiria (hoje, com o caos atual, já há mais gente se deslocando de bicicleta do que de táxi).
Tenho ouvido sugestões ainda mais criativas. Por exemplo: e se a prefeitura desse descontos no preço do aluguel de quem morar perto do trabalho? Assistencialismo!, já ouço berrarem. Na verdade não: é um jeito de economizar dinheiro público. Investir em diminuir os deslocamentos na cidade sai mais barato do que construir metrô.
E, ainda que não saísse… Por que é que o trânsito, que mata mais brasileiros do que a aids, a diarreia ou o câncer de pulmão, não vira prioridade para a saúde pública? Como é que o carro, que mata mais que o revólver, não tem seu uso controlado?
Foto: yuri__lima (Flickr / CC)
Por Denis Russo Burgierman
Fonte: PORTAL DA REVISTA VEJA