"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O CEARÁ E OS "CÓDIGOS MUNICIPAIS DE TRÂNSITO"


No Brasil, à luz da Constituição Federal, a competência para legislar sobre trânsito é privativa da União. Assim, a gestão do trânsito deve ter por base a lei nº 9.503/97, instituidora do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o qual, somado a um sem número de resoluções, portarias e deliberações – todo um arcabouço legislativo, federal, frise-se! – constitui-se no sustentáculo legal para as ações voltadas à promoção da segurança no trânsito em todo o País.

Legislar sobre a matéria, fica claro, não é da alçada do município (sendo farta a jurisprudência pátria nesse sentido). Compete-lhe, isto sim, exercer as atividades que lhes são atribuídas pela legislação federal, com ênfase nos artigos 21 e 24 do CTB, o que já lhes gera grandes responsabilidades.

Na prática, porém, a se ter por base o estado do Ceará, verifica-se que, por desconhecimento ou mera desídia de algumas “autoridades”, diariamente surgem e, o que é pior, se sobrepujam ao CTB, inúmeros códigos municipais de trânsito.

No Ceará, quando o assunto é o cumprimento das normas de trânsito, cada município adota hermenêutica própria, e, desse modo, a fiscalização se efetua, ou não, conforme conveniências político-eleitoreiras. Diretrizes populistas e/ou graciosas no sentido de não se fiscalizar e, em consequência, não se autuar e não se punir comportamentos de risco no trânsito, são regras consuetudinárias muito bem aceitas (senão estimuladas) em boa parte dos municípios cearenses que se fizeram inserir no Sistema Nacional de Trânsito (SNT), dando ensejo à chamada “municipalização”.

Compulsando-se o CTB constatar-se-á, contudo, que a maioria das ações e omissões tidas como infrações de trânsito são, na verdade, condutas que, infringindo as normas de observância obrigatória do código, provocam sérios riscos à segurança da coletividade.

Na análise dos 49 municípios cearenses até agora vinculados ao SNT, constata-se uma enorme diversidade de posturas. Só para se ter uma ideia, em alguns exige-se o capacete do motociclista, facultando-se, todavia, a utilização pelo passageiro. Em outros, a compulsão de legislar e as contradições vão mais longe: proíbe-se, em nome da “segurança”, o uso do capacete pelo motociclista.

Conclui-se que na maioria dos municípios do interior do Ceará, onde vigem códigos municipais de trânsito, complicado mesmo é fazer com que, por ocasião das visitas de inopino dos representantes do Detran, sempre acompanhados pelos militares da Polícia Rodoviária Estadual, a população local compreenda que as convenções municipais perdem, ainda que temporariamente, a vigência, prevalecendo o Código de Trânsito.

Ausentando-se a dita fiscalização, restitui-se o status quo ante e segue-se enterrando mortos e tratando feridos. É dizer: fica “tudo como dantes no quartel d’Abrantes”.

Luís Carlos Paulino - Subtenente da Polícia Militar do Ceará, membro da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito e autor do livro “Trânsito no Brasil”

Fonte: JORNAL O POVO, Caderno I, p. 7. Edição do dia 20.05.2011. Também disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/05/20/noticiaopiniaojornal,2246944/o-ceara-e-os-codigos-municipais-de-transito.shtml