"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

ANATOMIA DE UM CRIME

Jornal do Brasil, artigo de autoria de Celso Franco

Com o título “Anatomy of a Crime”, foi publicado, nos Estados Unidos, no final da década de 50, do século que passou, um romance escrito pelo promotor Robert Traver's. De tão grande sucesso, chegou ás telas de cinema, estrelado por James Stewart.

Pois bem, no dia 2 da semana que passou assisti na TV, entre incrédulo e  estupefato, ao grave acidente envolvendo um ônibus que caiu de um viaduto sobre uma pista da Avenida Brasil, a mais movimentada do Rio. Felizmente, em sua queda, não atingiu nenhum outro veículo na pista. Já imaginaram se tivesse caído sobre outro ônibus?
Longe de mim me comparar ao promotor autor do livro ao qual me refiro. Mas, como analista de trânsito, tenho o dever de proceder a uma verdadeira  anatomia neste, a meu ver, crime doloso.
O delegado resolveu indiciar como responsáveis por crime doloso o motorista e o passageiro que, segundo testemunhas, travavam uma discussão, tendo o motorista sido agredido. Para mim não basta. É preciso  se avançar mais na dissecação deste crime, repito, doloso.
O principio do PIEV que comanda as nossas reações ao volante, no caso do motorista do ônibus, injustamente indiciado, tinha a sua emoção, do E e a sua Volição do V, do principio citado, alterados face às circunstâncias do momento e, em seu trabalho, por si só estressante, que sobrepujavam de muito a sua Inteligência e a sua Percepção de suas reações. Infelizmente o delegado não conhece estes detalhes e, interpretou a lei ao pé da letra, como bacharel que é.
Desde há muito a Ordem de Serviço assinada por mim em 1975, que obriga a selagem da bomba injetora Bosch na velocidade máxima de 60km nos motores dos ônibus e, a colocação de uma reprodução da placa de 60 km, para velocidade, na janela traseira com o propósito educacional, para o que lhe segue, uma vez que devem andar em fila, não é respeitada. Nada  disto existe hoje embora, creio eu, a minha ordem ainda esteja em vigor. Esta exigência era fiscalizada pelo Grupo de Exames Técnicos que, periodicamente, comparecia às garagens, verificando também o excesso de CO nas descargas dos gases.
A mim parece que um proprietário de empresa que não cuida do respeito a esta restrição, criada em prol da segurança, é tão culpado de homicídio doloso, ocorrido em um veículo de sua frota, como quem o dirige. O delegado deveria indiciá-lo também, caso seja comprovado o excesso de velocidade, quando do acidente.
Como outro motivo da tragédia, o descaso quanto á sinalização do viaduto, no que diz respeito á sua segurança. Faltava o “guard-rail”, defensa lateral, capaz de conter qualquer veículo que com ela colida.
Embora as autoridades e técnicos recomendem a defensa de concreto, tipo New Jersey, que não divide a deformação do impacto, com o veículo, eu prefiro a metálica “Box Beam” que, amortece o choque e com ele divide os efeitos de deformação, embora não utilizada no Brasil.
E se tratando da sacrificada classe de motoristas de ônibus, já cansei de alertar as precárias condições de trabalho destes profissionais. Não têm horário para se alimentar, muito menos local para fazê-lo. Também não tem local para satisfazer suas necessidades fisiológicas.
Quanto ao horário de trabalho já sugeri que exista um cartão de ponto, onde se registraria o inicio do turno de trabalho e que viajasse com o motorista, sendo fiscalizado durante o trajeto, por agentes do governo, a exemplo dos fiscais, que havia nos bondes, para o controle da arrecadação pelos condutores.
Finalmente, estranhamente, o que no meu tempo os proprietários de ônibus desejavam, criar a matrícula do motorista no veículo, a fim de que as multas fossem pagas por eles, agora não desejam. Não sentem, os motoristas, o custo das infrações que usam e abusam de cometê-las.
O novo Código que tira pontos da carteira e pode suspender a licença de dirigir não interessa aos patrões, em face da oferta de serviço ser maior do que a procura.
Finalizando, enquanto, na contramão do mundo civilizado,  o transporte público visar o lucro, quem “paga o pato” é o usuário, infelizmente, às vezes, como agora, com a própria vida
Como diria o diretor cinematográfico italiano Federico Fellini: E la nave vá.

DA SÉRIE "CAMPANHAS EDUCATIVAS SEM EUFEMISMOS", VÍDEO II


DA SÉRIE "CAMPANHAS EDUCATIVAS SEM EUFEMISMOS", VÍDEO I