"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

LEI SECA: CONFRONTO DAS IDEIAS

E a "Lei Seca" continua servindo de mote para debates. Abaixo, Confronto das Ideias, do qual participei juntamente com o ilustre sociólogo Ruy Câmara, a convite do Jornal O POVO (edição de 16/02/2012):

TRÂNSITO

Senado aprovou Projeto de Lei que pune com mais rigor motoristas que dirigirem alcoolizados. Você é a favor do endurecimento da Lei Seca?

Luís Carlos Paulino

SIM - "Afinada com as tendências mundiais, a Constituição Federal de 1988 estatui que a segurança pública é, além de um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Implica dizer que a coletividade deve lutar pela efetivação do direito à segurança, entendido este também na sua vertente direito ao trânsito seguro. Inaceitável, nesse contexto, que tantas pessoas continuem sendo vitimadas por uma horda de motoristas bêbados e impunes.

Dito isso, de se reconhecer que a Lei nº 11.705/2008, a Lei Seca, até foi bem sucedida em um primeiro momento. Não tardou, todavia, para o condutor brasileiro ser alertado quanto ao princípio da não-autoincriminação. Numa velocidade equivalente a uns 180 km/h, pacificou-se a compreensão de que o condutor não está sujeito ao teste do etilômetro (bafômetro) e nem ao exame de sangue (únicos meios de prova aptos à aferição da quantificação ora prevista no art. 306 do CTB). O “direito de não produzir prova contra si”, ao que parece, é inconteste, absoluto. É “direito” que, como bem observa o promotor paulista Luís Fernando de Moraes Manzano, “até um bêbado leigo se lembra de invocá-lo quando lhe convém”.

O fato é que, com a redação dada pela Lei Seca, somada a esse entendimento firmado, tem-se hoje no ordenamento jurídico pátrio um tipo penal que é, no mínimo, sui generis: o crime de embriaguez ao volante cuja punição depende da voluntariedade do autor.

Assim, forçoso que se reconheça a necessidade de nova alteração legislativa, suprimindo-se a quantificação e ampliando-se o leque de provas, admitindo-se, para a comprovação do crime em tela, exames clínicos, testemunhas, filmagens. Não se faz aqui patrocínio do mero recrudescimento da lei. O que se defende é a aplicabilidade – e a consequente aplicação da norma objetivando o trânsito seguro – pressuposto que é do direito fundamental à segurança".

Ruy Câmara

NÃO - "Todas as tentativas puritanas de inviabilizar a venda e o consumo de substâncias etílicas demonstram que os excessos legalistas só beneficiam máfias e fiscais corruptos. A Lei 11.705, ou Lei Seca, pune severamente com multa exorbitante; suspensão da carteira e detenção de até 12 meses, o motorista que ingeriu ínfima quantidade de substância etílica superior a 0,1 mg/l de ar expelido no exame do bafômetro ou 2 dg álcool/l de sangue. Pesquisas indicam que mais de 30 nações desenvolvidas reverteram a Lei Seca e hoje são mais tolerantes.

No Brasil, essa lei é mais sevara do que em outras 70 nações com baixo índice de criminalidade. Os Estados Unidos, por exemplo, admite ingestão de 0,8 g/l; Portanto, a Lei Seca do Brasil é intolerante e arbitrária porque, na prática, enquadra uma senhora que comeu um bombom de licor, ou quem bochechou antisséptico bucal, no mesmo tipo de crime daquele sujeito que for flagrado dirigindo completamente embriagado.

A lei é exagerada, tanto na sua concepção, quanto na sua aplicação. A obrigatoriedade ou não do teste de bafômetro atropela a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário em seu art. 8º, inciso 2, alínea 'g'., (ninguém é obrigado a produzir uma prova contra si) como também fere o Art. 5º, LXIII e LIV, da CF, que afirma o direito de permanecer calado e de não ser privado de liberdade sem o devido processo legal.

Os legalistas da tolerância zero afirmam que o número crescente de acidentes de trânsito decorre de embriaguez. Para desmistificar a inverdade, basta um exame das estatísticas que arrolam anualmente mais de cinco mil acidentes de trânsito em Fortaleza, envolvendo somente motoqueiros em trabalho. Ignoram que as causas são uma combinação de fatores decorrentes do inchaço urbano, com destaque para a imprudência e má-educação no trânsito e, principalmente, para a precariedade das estradas, rodovias e vias públicas da imensa maioria das cidades do Brasil".