"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

sábado, 30 de abril de 2011

RALI URBANO


Vez ou outra, a sensação é de que o ônibus vai virar. Os buracos são tão largos, profundos e numerosos, em alguns trechos, que a impressão é a de que o ônibus da linha 383 (Siqueira/Parque São João) não vai conseguir passar. Mas consegue.

Aliás, ele e tantos outros vêm conseguindo, aos trancos e barrancos, conduzir passageiros de um canto a outro da Capital por ruas e avenidas quase intransitáveis pelo estado que apresentam.

Algumas empresas de ônibus, como publicado em matéria do O POVO de ontem, traçam rotas alternativas para fugir da buraqueira, mas a estratégia parece não adiantar, nem para ônibus nem para passageiros.

O POVO pegou carona no bravo 383, uma das linhas que, pelo estado da rota oficial, precisaram de um desvio. Desvio? Percorre-se uma viagem inteira de lutas contra crateras alagadas, amontoados de lixo, calçamentos danificados e estradas carroçais.

À frente da batalha, o motorista Antônio Medeiros, 51, vai vencendo os obstáculos há mais de dez meses. “Faz uns dez anos que eu dirijo ônibus, mas como essa linha é a primeira vez”, garante.

A buraqueira traz atraso e paradas incertas aos passageiros. “Um dia, ele passa numa rua, depois em outra. É na que tiver melhor no dia. A gente compreende, mas para os usuários fica difícil também”, explica a dona de casa Miriam Espíndola, 34. Ao longo do percurso, o motorista começa a parar “onde dá”, já que até os locais das paradas ficam inabilitados para um desembarque seguro.

O 383 é a condução das irmãs Taís Lopes, 12, e Talita Lira, 9, para ir e vir da escola. Ainda no terminal do Siqueira, elas já sentem a carência da linha por só possuir dois ônibus. “Vou trazer é um banquinho para sentar aqui. Ele demora demais”, impacienta-se Talita. Ônibus quebrado é outra consequência que as meninas já sentiram por conta das ruas ruins. “Uma vez, o pneu furou e a gente quase chegou atrasada na escola”, completa Taís.

Nas chacoalhadas do carro, ainda há quem encontre equilíbrio para compreender as informações no papel “que precisa ser estudado”. O auxiliar de construção civil José Ailton Costa, 20, que trabalha no bairro Jatobá há um mês e meio, bem que tenta. “Atrapalha sim, é complicado, mas o tempo que eu tenho pra estudar é esse”, justifica.

A labuta do motorista Raimundo, que começa às 4h20min, no comando do 383, só termina depois de quase dez viagens completas (ida e volta do terminal Siqueira) da “linha ruim”, todos os dias. As consequências do trajeto, ele sente no próprio corpo e encara com simpatia. “Com certeza no IML (Instituto Médico Legal) tem coluna melhor que a minha”, sorri com a aparente certeza de que pouca coisa possa mudar um dia.

Fonte: JORNAL O POVO, edição do dia 30/04/2011.

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